Um apelo para a participação silenciosa na liturgia
Dr.ª Carol Byrne, Grã-Bretanha
Alguns padres do Movimento Tradicionalista estão começando a introduzir “Missas dialogadas” para seus paroquianos. Para esclarecer a inadequação desse costume moderno de “participação ativa dos fiéis”, nada poderia ser mais útil do que esta série de artigos da Dr.ª Carol Byrne, que o Missale Romanum começa a publicar hoje. Esperamos que nossos leitores aproveitem os sólidos argumentos deste estudo minucioso.
Introdução
De comum acordo, a hierarquia da Igreja pós-Vaticano II afirma que a “participação ativa” de todos os fiéis na liturgia é “o objetivo a ser considerado antes de tudo” (1) — ainda que, como se vê até hoje, isso tenha ocorrido às custas do respeito pela Tradição, da reverência ao Santíssimo Sacramento, do senso de transcendência, do decoro e da modéstia na casa de Deus.
Rezar silenciosamente na Missa: uma longa tradição de séculos

A “participação ativa” torna os leigos iguais aos sacerdotes

Como chegaram os bispos a tal conclusão? Falsamente
apresentando as reformas que implementaram como uma continuação da obra do Papa
São Pio X, cujo motu proprio Tra le Sollecitudini (TLS)
introduziu pela primeira vez a palavra “ativo” — em sua versão italiana (embora
não, significativamente, em latim) — para descrever a participação dos leigos
na Missa.
“Atividade” nunca foi uma característica definidora da
participação leiga na Missa ao longo da história da Igreja. Portanto, é
necessário explicar por que esse termo adquiriu repentinamente um significado
dominante no início do século XX e como passou a ter um impacto tão profundo no
Movimento Litúrgico.
A história mostra que essa palavra criou uma “onda mexicana”
que atravessou o século XX, ganhando força à medida que avançava, até engolfar
toda a Igreja — com a bênção da Constituição Sacrosanctum Concilium
sobre a Liturgia (1963), do Concílio Vaticano II. Desde então, a “participação
ativa” adquiriu vida própria, alimentada por um zelo só comparável à
hostilidade dos reformadores em relação à Missa tradicional em latim.
Sabemos, por um dos padres progressistas do Vaticano II, o
Cardeal Godfried Danneels, da Bélgica — envolvido na redação da Constituição
sobre a Liturgia — que o objetivo da “participação ativa” era democratizar a
liturgia, dissolvendo a distinção entre funções sacerdotais e leigas:
“Desde o início, o objetivo do Movimento Litúrgico, que se
originou na Bélgica em 1909, era fechar a lacuna entre a liturgia oficial do
sacerdote e a do povo. O termo ‘participação ativa’ nasceu deste movimento e,
desde então, tornou-se parte do nosso vocabulário.” (2)
Disto aprendemos que o sacerdote, por meio do Sacramento da
Ordem, age em nome da Igreja, em um ato oficial de culto. Os leigos, porém, em
virtude do batismo, associam-se à liturgia apenas por participação interna
— isto é, pela fé e pela oração.
O resultado dessa nova ênfase na “participação ativa” foi
que os fiéis, antes silenciosos nas cerimônias do rito romano, passaram a
disputar com o clero o direito de oficiar na oração pública da Igreja — como se
fossem rivais numa guerra litúrgica.
As intenções de São Pio X
O tema do Tra le Sollecitudini era a restauração da
música sacra, especialmente do canto gregoriano, na liturgia da Igreja. Seu
objetivo era estabelecer os princípios autênticos da música litúrgica, vocal e
instrumental, a serem promovidos em toda a Igreja.
É essencial notar que este motu proprio não tratava
do canto congregacional, mas atribuía ao clero e ao coro a função exclusiva do
canto litúrgico. Não impunha nenhuma obrigação à assembleia de se unir ao
canto, nem exigia que os leigos (com exceção dos membros do coro) fossem
treinados em música sacra. Tampouco insinuava que o silêncio da assembleia
indicasse deficiência em sua participação plena na liturgia.
Alguns pontos de preocupação
O motu proprio foi publicado pela primeira vez em
italiano, em 22 de novembro de 1903, na Acta Sanctæ Sedis, órgão oficial
da Santa Sé. A versão latina com a mesma data, no entanto, só veio à luz bem
mais tarde. Ambas as versões podem ser acessadas aqui. (4)
Essa separação incomum entre os textos foge ao protocolo usual da Acta Sanctæ Sedis, que normalmente publicava os textos em vernáculo e latim de forma consecutiva. Também não era prática da Santa Sé emitir um documento legislativo de tal importância apenas em língua vernácula e só depois em latim.

Outra anomalia é a forma de datação da versão latina. Em vez
do formato habitual, foi usada a notação romana “X Kalendas Decembris”, o que
pode dar a impressão de que o texto latino foi redigido depois do TLS italiano,
como uma reflexão tardia. Só quem conhece o sistema de datação romano saberá
que “X Kalendas Decembris” equivale, de fato, a 22 de novembro. (5)
Isso levou alguns a crer que a versão italiana, por ter sido
publicada primeiro, é o texto papal oficial. (6) No entanto, o latim continua
sendo a única versão oficial e autorizada dos documentos papais,
mesmo quando publicada posteriormente.
Fora de vista, fora da mente
É, portanto, lamentável que a versão latina tenha sido
relegada a segundo plano. Pior: o número da página na Acta Sanctæ Sedis
foi impresso erroneamente como 587, em vez de 387, dificultando ainda mais sua
localização.
Por que essa confusão em torno da única versão do motu
proprio que transmite com clareza a mente do Papa? A resposta ficará
evidente quando examinarmos as discrepâncias entre os dois textos.
Qual versão seguir: italiana ou latina?
Como o uso do latim sempre foi visto pela Igreja como
salvaguarda da fidelidade doutrinal, sua importância para a transmissão exata
da verdade não pode ser subestimada. As gerações futuras podem reconhecer, nas
palavras latinas, o sentido preciso que o Papa quis comunicar — evitando
ambiguidades das línguas vernáculas.
Como veremos, foi justamente uma deturpação o que
ocorreu quando o TLS caiu nas mãos dos reformadores litúrgicos. Uma análise
cuidadosa do documento revela palavras e expressões-chave na versão italiana
que não existem na versão latina.
Em outras palavras, ideias foram introduzidas no texto
italiano que serviam aos propósitos daqueles que queriam reformar a liturgia de
forma contrária à intenção de São Pio X. Alguém chegou a inserir a palavra attiva
para descrever a participação dos leigos — termo completamente ausente na
versão latina (que é a oficial e, portanto, vinculante).
É digno de nota que os reformadores não poderiam ter deturpado a versão latina, escrita com rigor e clareza, justamente para evitar distorções e abusos. Mas, como a versão italiana foi a mais divulgada e traduzida, ela abriu caminho para interpretações errôneas.
- Sacrosanctum Concilium, A Constituição sobre a Liturgia (1963), § 14.
- Godfried Danneels, apud Keith Pecklers SJ, Liturgy in a Postmodern World, Continuum International Publishing Group Ltd, 2006, p. 7.
- “O sacerdócio visível externo de Jesus Cristo não é transmitido indiscriminadamente a todos os membros da Igreja em geral, mas é conferido a homens designados, por meio do que pode ser chamado de geração espiritual das Ordens Sagradas” (§ 41), “Por isso ele [o sacerdote] vai ao altar como ministro de Cristo, inferior a Cristo, mas superior ao povo” (§ 84). Ao “falar do povo que se oferece com o sacerdote,” a Igreja quer dizer apenas que o povo “une seus corações em louvor, impetração, expiação e ação de graças, com as orações e a intenção do sacerdote, também do próprio Sumo Sacerdote” (§ 93).
- Acta Sanctae Sedis, Vol. XXXVI, 1903-1904, p. 329; para a versão Italiana, p. 387 (impressão incorreta como 587) para a versão Latina.
- Os antigos Romanos calculavam suas datas para trás, subtraindo o número declarado de dias na data de um ponto fixo em cada mês. Como os Kalendae designaram o primeiro dia de cada mês, se contarmos 10 dias, inclusive, a partir de 1º de dezembro, chegaremos a 22 de novembro. Então X Kalendas Decembris = 22 de novembro.
- O motu
proprio significa que o Papa estava agindo por iniciativa própria
na criação de uma nova legislação, em vez de meramente carimbar um decreto
emitido por um departamento da Cúria. A redação do TLS foi em grande parte
obra do Pe. Angelo de Santi, SJ, Fundador do Pontifício Instituto de
Música Sacra, que esteve intimamente associado às reformas musicais do
Papa quando este era Bispo de Mântua e Patriarca de Veneza. (Ver Robert Hayburn, Papal
Legislation on Sacred Music: 95 AD to 1977 AD, Collegeville:
Liturgical Press, 1979, p. 220.)