Eligo in Summum Pontificem: O Sopro Divino no Segredo da Capela Sistina


Há rituais no mundo que, mesmo para os céticos, impõem respeito. Não pelo espetáculo, mas pela sua força ancestral, pela sensação quase física de estar tocando algo que transcende os séculos e os homens.

A eleição papal é um desses rituais. No centro desse mistério está a frase que corta o ar como um fio de espada: Eligo in Summum Pontificem — “Eu elejo como Sumo Pontífice”.

Raízes Antigas: A Escolha do Pastor

Desde os primeiros séculos do cristianismo, a eleição do sucessor de Pedro era uma questão vital, não apenas organizacional, mas teológica. O Papa não é simplesmente um chefe de Estado ou um administrador de almas. Ele é o “Doce Cristo na Terra”, como dizia Santa Catarina de Sena.

Nos primórdios, o povo romano, o clero e o senado participavam conjuntamente da eleição. Era um processo tumultuado, cheio de paixões humanas, sim, mas também de fé fervorosa. Com o tempo, para proteger a liberdade da Igreja contra ingerências externas (imperadores, reis, senhores locais), a responsabilidade foi concentrada no Colégio dos Cardeais, a partir de 1059 com o decreto de Nicolau II (In Nomine Domini).

O Conclave (do latim cum clave, “sob chave”) nasceu formalmente no século XIII, após um episódio caótico em Viterbo, quando os cardeais demoraram três anos para escolher um Papa, até que a população, impaciente, os trancou sob guarda para forçá-los a decidir.

A partir daí, conclave virou norma: isolamento, oração, jejum. E silêncio absoluto.

O Cenário: A Capela Sistina

O local não é neutro. A Capela Sistina, com suas paredes pintadas pelo gênio renascentista, é uma pregação silenciosa aos eleitores. No teto, Adão estende a mão a Deus. Atrás do altar, o Juízo Final mostra os corpos ressuscitando — ou sendo tragados pela condenação eterna. Não há espaço para vaidades: quem ali vota sabe que suas decisões serão julgadas pelo mesmo Cristo retratado em glória e severidade nas paredes ao redor.

O Ritual: Um Ato de Peso Eterno

O rito começa com a Missa Pro Eligendo Pontifice, onde se invoca o Espírito Santo. Depois, cada cardeal, vestido de púrpura — cor do martírio — entra na Capela Sistina entoando o hino Veni Creator Spiritus (Vinde, Espírito Criador).

Ao final da procissão, todos ouvem o aviso severo: “Extra Omnes!” — “Todos fora!” — grita o Mestre de Cerimônias. Todos os não-eleitores devem sair. A porta é fechada. Selada. O mundo fica de fora.

Cada cardeal recebe uma cédula. Em silêncio, cada um escreve o nome do escolhido. A fórmula Eligo in Summum Pontificem já está impressa no papel, lembrando-os do peso da decisão.

Cada um se aproxima do altar. Ergue a cédula nas mãos e pronuncia:

Testemunho Cristo, que será meu juiz, que dou meu voto àquele que, diante de Deus, julgo dever ser eleito”.

O ato é individual, mas a consequência é coletiva. Eles não apenas elegem um homem; eles acolhem, creem e ratificam que Deus fala misteriosamente através de sua decisão, mesmo se feita com medo, erro ou imperfeição.

As Fases da Votação

  • Escrutínio: Leitura solene e registro dos votos.
  • Costura dos Votos: Uma tradição pouco conhecida: os votos são literalmente costurados uns aos outros antes da queima, para assegurar que todos foram contabilizados corretamente.
  • Queima e Fumaça:
  • Fumaça preta (fumata nera): nenhum eleito.
  • Fumaça branca (fumata bianca): temos um Papa.

(A adição de substâncias químicas para garantir a cor certa da fumaça só veio depois de alguns enganos históricos... sim, já teve caso de fumata cinza causando confusão geral.)

Aceitação: O Sim que Muda Tudo

Uma vez alcançado o número necessário de votos (hoje, dois terços dos presentes), o decano do Colégio pergunta:

“Aceitas tua eleição como Sumo Pontífice?”

Se o eleito diz “Accepto”, naquele instante, sem necessidade de coroação, sem necessidade de cerimônia pública, ele já é Papa.

Se ele for bispo, torna-se instantaneamente Bispo de Roma. Se ainda não for bispo, é ordenado antes da apresentação pública.

A seguir vem a pergunta:

Com que nome queres ser chamado?

Nomes carregam significados. Um Papa pode, ao escolher seu nome, indicar seu projeto de pontificado — como Francisco fez, evocando São Francisco de Assis e seu chamado à pobreza e simplicidade.

O Simbolismo que permanece

Cada detalhe ecoa a tradição, cada gesto remonta a séculos de história, de luta e de esperança.

O uso do latim, a invocação do Espírito Santo, a escolha na Capela Sistina, a fumaça... Tudo reforça uma verdade incômoda para o mundo moderno: há realidades que não se dobram à opinião pública.

A eleição papal é uma delas: feita com fé, temor e tremor.

No instante em que o novo Papa aparece na sacada da Basílica de São Pedro, o mundo vê o rosto humano de um mistério que se desenrolou longe dos olhos públicos, mas bem diante do olhar atento de Deus.

Por um Carmelita Secular da Antiga Observância

Referências Bibliográficas

  • BURKE, Raymond Leo. The Conclave: The Procedures and the Spirit of Papal Elections. Vatican Publishing House, 2015.
  • CHADWICK, Owen. A History of the Popes, 1830-1914. Oxford University Press, 1998.
  • DALLA TORRE, Giuseppe. Il Conclave: Segreti e Misteri dell’Elezione del Papa. Edizioni San Paolo, 2005.
  • JOHN PAUL II. Universi Dominici Gregis (1996). Constituição Apostólica sobre a vacância da Sé Apostólica e a eleição do Romano Pontífice.
  • WILKINS, John. The Making of the Pope: A Chronicle of Papal Elections. 2002.
  • MORAES, Eduardo. O Segredo do Conclave: História e Mística da Eleição Papal. Editora Loyola, 2010.