O Gesto que Fala: A Teologia das Casulas Dobras nos Tempos Penitenciais

De uma celebração no Panteão em Roma.

Por que retornar ao uso das casulas dobradas (planetis plicatis) em tempos penitenciais? O que esse costume aparentemente “arcaico” tem a dizer à Igreja de hoje?

Em meio à crescente redescoberta da riqueza litúrgica tradicional, ressurge — com discrição, mas com firmeza — o uso das casulas dobradas durante o Advento, Quaresma e outros momentos de penitência no ciclo litúrgico. Para alguns, isso pode parecer um detalhe estético ou um capricho de antiquário. Mas na verdade, estamos diante de uma expressão profunda da espiritualidade litúrgica romana, carregada de simbolismo, história e teologia.

Origem e sentido

Nos primeiros séculos do Cristianismo, o clero não usava trajes distintos dos leigos. A chamada paenula — antecessora da casula — era uma espécie de capa ampla usada por todos. Mas quando essa veste foi assumida como paramento litúrgico, passou a simbolizar a caridade que tudo cobre, o manto da graça que envolve o ministro de Deus.

Contudo, a casula, por sua amplitude, limitava severamente os movimentos dos braços — especialmente para diáconos e subdiáconos encarregados de proclamar as leituras ou assistir ao altar. A solução prática foi dobrar as extremidades da casula para facilitar os gestos litúrgicos, sem dispensar a dignidade do paramento. Assim nasceu a prática das casulas dobradas.

Um conjunto de casulas dobradas com casula correspondente para o celebrante (e capa), encomendado em 2009 para a igreja anglo-católica de São Magnus, o Mártir, em Londres. Fotografias do blog Ex Fide.

Mas o que começou por necessidade funcional, logo se carregou de um significado mais alto: em tempos penitenciais, o ministro dobra sua veste como quem dobra seu coração. É o sinal visível de um recolhimento interior. Uma renúncia simbólica ao esplendor — sem jamais perder a dignidade. É o gesto humilde de quem serve em tempos de jejum e vigília.

Uma teologia visível

A casula tradicional simboliza o “jugo suave” de Cristo (cf. Mt 11,30), mas também o peso da caridade pastoral. Quando dobrada, ela aponta para a abnegação daquele que, mesmo revestido da dignidade sacerdotal, se faz pequeno para servir melhor.

Esse gesto litúrgico — dobrar a casula, ou substituí-la por uma estola larga nos ritos mais recentes — torna-se uma catequese silenciosa. Ele educa o corpo e a alma, recorda ao povo e ao clero que certos tempos pedem contenção, sobriedade, penitência. Em tempos de ruído, esse silêncio visual é uma verdadeira pregação.

Casulas dobradas (planetis plicatis)

Enquanto estamos na atual Oitava, durante a qual, é claro, usam-se paramentos brancos (e, em alguns lugares mais ousados, até azuis — mas isso fica para outro artigo), parece oportuno dedicar uma reflexão não à liturgia do dia, mas ao uso interessante e antigo das casulas dobradas.

O uso das casulas dobradas — planetis plicatis nos livros litúrgicos — é uma característica antiquíssima da liturgia romana, mesmo que o estilo “moderno” de paramento tenha evoluído um tanto desde sua forma original. Tudo indica que, nos primórdios da Igreja, o clero usava trajes seculares, ou algo bem próximo disso; a ideia de uma roupa clerical distinta só surgiu mais tarde. Uma imagem famosa de São Gregório com seus pais, Gordiano e Sílvia, foi reproduzida no livro Liturgical Vesture de Cyril Pocknee (Mowbrays, 1960), retirada da obra de Rocca, S. Gregorii, ejusdem parentum imagines, Roma, 1597. Essa imagem — reproduzida abaixo na postagem original — mostra os três usando a pænula (ou casula) por cima de uma dalmática, que por sua vez cobre uma alva. A única diferença: São Gregório traz um pálium sobre sua pænula, e a alva da mãe tem uma decoração na barra.

São Gregório com seus pais, Gordiano e Sílvia, foi reproduzida no livro Liturgical Vesture de Cyril Pocknee (Mowbrays, 1960)

Os historiadores da liturgia acreditam que essas casulas amplas eram usadas por todo o clero (e também pelos leigos) nos primeiros séculos. Com o tempo, à medida que surgiram vestes litúrgicas mais específicas para o clero, e com a introdução posterior da dalmática (símbolo de alegria), manteve-se a prática antiga de todos os clérigos usarem a casula, mesmo em tempos penitenciais como o Advento.

Como dá para ver na imagem, os movimentos dos braços de São Gregório e seus pais ficam bem limitados por essas dobras largas e soltas das casulas. A teoria geralmente aceita é que o subdiácono e, especialmente, o diácono, achavam essas casulas tão restritivas para segurar livros, cantar as perícopes e fazer outras funções, que começaram a dobrá-las nas laterais ou até tirá-las. Depois, por praticidade, o diácono passou a dobrar a casula no comprimento e jogá-la sobre o ombro.

Com o tempo — especialmente desde o século XVII — a casula foi perdendo pano e se tornando um paramento bem mais reduzido. Como essa versão “moderna” não limita em nada os braços, passou-se a fazer uma dobra simbólica na frente — planetis plicatus ante pectus, como dizem os livros litúrgicos. Provavelmente, nas casulas antigas, a dobra era lateral, mas na casula romana ela se tornou simbólica na frente — muitas vezes nem sendo realmente dobrada, apenas feita com a parte frontal mais curta. (Aliás, uma correção foi feita na postagem original: o conjunto de São Magnus foi de fato dobrado e costurado.)

Na imagem acima, da Igreja de São Magnus, o Mártir, o diácono pode ser visto à direita do celebrante, usando sua estola larga. O subdiácono usa o véu humeral como de costume.

As regras de uso são as seguintes: Nos dias de semana e domingos do Advento e da Quaresma (exceto os domingos Gaudete e Lætare), nas Têmporas (exceto as de Pentecostes), nas Vigílias da Páscoa e de Pentecostes, e na Festa da Apresentação do Senhor (Candelária), o diácono e o subdiácono usam casulas dobradas roxas. Na Sexta-feira Santa, de forma única, usam-se casulas dobradas pretas para a Missa dos Pré-Santificados. (Em funções pontificais nesses mesmos dias, os diáconos assistentes e cônegos também as usam.)

O subdiácono: observe o efeito que a dobra da 'tunicela' semi-cheia na frente tem sobre suas laterais. O diácono: observe como a dalmática foi dobrada ao longo e compare com a fotografia do diácono usando a estola larga na Igreja de São Magnus.

Durante a última coleta, o subdiácono vai ao banco e tira sua casula dobrada. Canta a Epístola e, após receber a bênção do celebrante, veste novamente a casula e move o missal, como de costume. Quando o celebrante começa a ler o Evangelho, o diácono vai à credência e tira sua casula dobrada. Dependendo do estilo do paramento, ele pode dobrá-la no comprimento e jogá-la sobre o ombro ou, mais comum com os paramentos no estilo romano, ele veste uma faixa larga de seda sobre a estola — chamada estola larga — que representa simbolicamente a casula dobrada. Depois disso, ele pega o Evangeliário e serve o resto da Missa apenas com a estola larga. Após a comunhão, ao retornar o missal para o lado da Epístola, ele remove a estola larga (ou “desprende” a casula dobrada) e volta a vestir a casula dobrada.

Recentemente, Shawn Tribe, do site The New Liturgical Movement, descobriu algumas fotos mostrando casulas dobradas bem diferentes — e talvez mais próximas da aparência que tinham antes dos paramentos litúrgicos terem sido radicalmente simplificados. As fotos foram tiradas na Abadia belga de Santo André (de onde saiu aquele famoso e excelente Missal Diário). Vale muito a leitura do artigo.

As casulas dobradas se tornaram uma das “vítimas” da nova ordem da Semana Santa de 1955 (embora ainda tenham sido usadas nas versões experimentais da Vigília Pascal de 1951 e 1952), e depois foram abolidas do resto do ano litúrgico em 1961.

Resta apenas esperar que as casulas dobradas voltem a ser vistas em muito mais lugares no futuro. Porque, convenhamos… tradição tem estilo.

O golpe de 1955 — e a esperança do retorno

Com as reformas da Semana Santa promulgadas em 1955, a casula dobrada foi suprimida desse período central do Ano Litúrgico. Em 1961, foi totalmente abolida. O motivo? Provavelmente o desejo de simplificação e homogeneização — um espírito prático, mas empobrecido. Perdeu-se, assim, uma linguagem rica que não precisava de palavras para transmitir profundidade teológica.

Felizmente, movimentos ligados à renovação da tradição litúrgica vêm recuperando esse tesouro. Em missas celebradas na forma extraordinária ou nas comunidades que seguem os usos antigos, as casulas dobradas voltam a aparecer. Em algumas celebrações pontificais, vê-se o renascimento desse uso com reverência e discreta alegria — porque não se trata de nostalgia, mas de memória viva.

Por que usá-las hoje?

  • Porque expressam com gestos o que a liturgia quer dizer com palavras: penitência, recolhimento, sobriedade.
  • Porque ensinam, sem falar, que nem todo tempo é tempo de brilho.
  • Porque nos reconectam com a sabedoria da Igreja antiga — aquela que sabia formar corações pela repetição de gestos santos.
  • Porque, num mundo acelerado e descartável, nos lembram que o passado não é peso: é raiz.



Recuperar o uso das casulas dobradas é recuperar um elo perdido com a alma da liturgia romana: seu realismo, sua humildade, sua linguagem simbólica. É dobrar o tecido... e erguer o coração.

📚 Referências Bibliográficas

  1. Pocknee, Cyril. Liturgical Vesture: Its Origin and Development. Mowbrays, London, 1960.

Fonte direta da imagem de São Gregório com seus pais e discussão sobre a evolução da casula.

  1. Rocca, Giovanni Battista. S. Gregorii, ejusdem parentum imagines. Roma, 1597.

Obra citada como origem da ilustração litúrgica histórica.

  1. Fortescue, Adrian. The Ceremonies of the Roman Rite Described. Burns & Oates, várias edições (primeira em 1917).

Referência clássica para rubricas, usos e desenvolvimento litúrgico romano, inclusive sobre vestes.

  1. Jungmann, Josef A. Missarum Sollemnia: The Mass of the Roman Rite — Its Origins and Development. Benziger Brothers, 1951.

Obra monumental sobre a história da Missa, com discussões sobre vestes e simbologia.

  1. The New Liturgical Movement (Shawn Tribe et al.).
    Artigos diversos. Disponível em: https://www.newliturgicalmovement.org

Fonte de imagens recentes, observações e redescobertas modernas das casulas dobradas.

  1. Catholic Encyclopedia (1913 edition).
    Artigos: Chasuble, Liturgical Vestments, Lent, etc.
    Disponível em: www.newadvent.org
  2. Sagrada Congregação dos Ritos. Rubricae Generales Missalis Romani, ed. 1962.

Fonte normativa para os usos ainda prescritos das casulas dobradas, especialmente em tempos penitenciais.

  1. Sacrosanctum Concilium — Constituição sobre a Sagrada Liturgia. Concílio Vaticano II, 1963.

Principal documento conciliar sobre liturgia, relevante ao tratar do valor da tradição e dos sinais visíveis.

Por um Carmelita Secular da Antiga Observância