Luta de classes leigos-clérigos baseada na ‘participação ativa’

Dr.ª Carol Byrne, Grã-Bretanha

Se alguém se perguntar como o sacerdócio foi desvalorizado na Igreja e como os padres foram derrubados do pedestal exaltado que lhes é concedido pela Tradição Católica, não precisa ir além do início do Movimento Litúrgico.

A perfídia de Beauduin

No Congresso de Malines de 1909, Dom Lambert Beauduin, OSB, fez um discurso que supostamente se baseava no recente motu proprio Tra le Sollecitudini, sobre música sacra. Mas foi apenas um ardil de guerre (um estratagema de guerra) em sua campanha para enganar os fiéis e fazer parecer que sua pretendida “renovação litúrgica” emanava dessa fonte.

Dom Beauduin, ao centro, entre Congar, à esquerda, e um pastor Protestante nos Dias Ecumênicos de 1952
Embora ele não tenha, neste estágio inicial, sugerido uma reforma dos ritos litúrgicos,(1) habilmente preparou as bases para isso, criando — como veremos abaixo — um clima profundamente hostil, dentro do qual os ritos tradicionais, e até mesmo o próprio sacerdócio, seriam considerados inaceitáveis.

Beauduin usou seu status de sacerdote com uma visão “pastoral” para ganhar credibilidade e apoio ativo de bispos e padres de toda a Europa e América (2). A suspensão da descrença necessária para que eles engolissem seu esquema de “renovação” é impressionante.

Aí está a evidência de que o Movimento Litúrgico se originou de um ato de perfídia — palavra derivada da expressão latina per fidem decipere, que significa “enganar por meio da confiança”. É uma expressão apropriada no caso de Beauduin, porque é o seu falso fingimento que constitui a perfídia.

Uma atmosfera de luta de classes

Da necessidade de “democratizar a liturgia”. A própria corrente sanguínea da Igreja foi envenenada por essa linguagem de protesto que transformou os leigos em símbolo das injustiças perpetradas pelo clero.

Infelizmente para a Igreja, ainda vemos os efeitos dessa propaganda perniciosa, que encoraja uma mentalidade de vítima e incita os leigos a se levantarem contra seus padres em nome da “participação ativa”.

O espírito de igualitarismo

Decorre do apelo de Beauduin por “democratizar a liturgia” que nenhum juízo pode ser feito para distinguir o papel superior dos padres do subsidiário dos fiéis. Ou, dito de outra forma, o poder deve ser distribuído entre todos os membros da Igreja para participar “ativamente” da liturgia.

A liturgia se tornou o trabalho do 'povo' - abaixo, um comitê litúrgico lidera as respostas à Missa
Toda participação deve, portanto, ser reduzida ao mínimo denominador comum, para evitar ser acusada de “elitismo”. Essa ideia revolucionária foi acompanhada pela crença equivocada de que a Igreja só poderia sobreviver na era moderna tornando-se “democrática” — ou seja, abolindo seu caráter patriarcal e hierárquico.

Esse foi também o grande impulso por trás da importância exagerada dada aos leigos nos documentos do Vaticano II, que ampliaram o alcance e elevaram o status de suas atividades na Igreja em detrimento do sacerdócio.

As mentiras de Beauduin

Foi Beauduin quem primeiro propagou o mito (ousemos chamá-lo de mentira) de que o costume da participação silenciosa fazia com que os leigos se “desligassem” da liturgia, provocando a perda de seu caráter comunitário e do “espírito de comunhão” entre os fiéis. Qualquer pessoa com uma concepção católica do que realmente é a Missa — e isso vem com uma catequese adequada — saberia que tais acusações não poderiam ser verdadeiras.

A Missa Tridentina, destinada a dar glória a Deus, foi chamada de “elitista” por Beauduin.

Católicos bem instruídos conheciam o ensinamento da Igreja de que a Missa era oferecida para a glória de Deus e para o benefício dos vivos e dos mortos. Sabiam também que estavam unidos à Igreja Triunfante, Militante e Padecente no Sacrifício de Cristo no altar. Em outras palavras, o católico individual rezando na Missa já estava unido na mesma fé com o sacerdote, cujo papel era conduzir o povo em direção ao seu fim último.

Beauduin, no entanto, não se interessava pelas dimensões sobrenaturais da participação, mas pelo objetivo naturalista de formar comunidades voltadas para a ação social.

Beauduin também foi responsável por espalhar outra mentira: que os leigos, absortos em suas próprias orações privadas, entregavam-se ao culto individualista, deixando o padre “celebrar sem eles”. Ele interpretou a ausência de “participação ativa” como um sinal de “quase total ignorância ou apatia entre os fiéis quanto ao culto litúrgico” (6) e concluiu que nada entendiam da Missa.

No Novus Ordo, toda a congregação participa com o padre na bênção final.

Essa avaliação negativa e desdenhosa inspirou o Arcebispo Bugnini, o arquiteto do Novus Ordo, a justificar suas reformas com base em uma “falta de compreensão, ignorância e noite escura”(7) no culto a Deus desde o século VI.

Assim, Beauduin estabeleceu uma série de Semanas de Estudo Litúrgico (a primeira das quais realizada em 1910) e retiros no Mosteiro de Mont César, especialmente concebidos para reeducar os párocos e afastá-los dos valores católicos tradicionais. Nesses encontros, eles foram doutrinados a acreditar que estavam sendo “clericalistas” se celebrassem uma Missa sem congregação, ou uma Missa na qual os fiéis não participassem verbalmente, se seguissem fielmente as rubricas do Missal ou se deixassem de fazer da liturgia uma “experiência viva” para a assembleia.

Todos esses pontos foram expostos por Beauduin na revista Questions Liturgiques et Paroissiales (“Questões Litúrgicas e Paroquiais”),(8) que ele fundou em 1909.

Beauduin pretendia que fosse tarefa do clero doutrinar seus paroquianos para que acompanhassem a revolução contínua da “participação ativa” — um processo que ainda está se desenrolando em nossos dias. Seus partidários imediatamente começaram a tarefa de persuadir os infelizes fiéis a abraçar o novo pensamento litúrgico como se fosse seu, acreditando que vinha do Papa Pio X.

Foi um golpe de propaganda de proporções incalculáveis: seu sucesso pode ser medido hoje pela proporção de católicos — clérigos e leigos — que rejeitaram sua própria Tradição em escala mundial. O resultado é que, depois de devastar mil anos de tradição litúrgica recebida e aprovada, nada resta sobre o qual uma verdadeira participação possa ser estabelecida.

Continua

 

  1. Em seu discurso no Congresso de Malines, ele criticou como “rubricismo” e “formalismo” o método tradicional de celebrar a Missa, alegando que a liturgia deveria ser transformada em uma “experiência viva” para os participantes. Só mais tarde, depois que o Movimento Litúrgico criou raízes, ficou claro que Beauduin queria que os ritos litúrgicos se adaptassem à época e às circunstâncias em que eram celebrados.
  2. Na primeira instância, ele ganhou a confiança do Card. Mercier concedeu permissão para o Congresso de Malines e o persuadiu a usar sua influência em Roma para aprovar a Missa do Diálogo e as experiências de ecumenismo. Então, ele influenciou um monge Beneditino visitante, Dom Virgil Michel, da Abadia de São João, Minnesota, que traduziu e publicou seu trabalho e lançou o Movimento Litúrgico na América.
  3. Apud Sonya Quitslund, A Prophet Vindicated, New York, Newmann Press, 1973, p. 16. Quitslund foi uma feminista veemente e ativista das mulheres padres.
  4. O final do século 19 foi um momento crítico para as lutas pelo poder social na Bélgica, não apenas entre nacionalistas Flamengos e Valões, mas também entre trabalhadores e empregadores. Com a introdução do sufrágio universal masculino em 1894, alguns padres Católicos como o mentor de Beauduin, Pe. Antoine Pottier em Liège, envolveu-se na política de massa e tentou recrutar o apoio dos trabalhadores recém-emancipados na luta de classes.
  5. Keith Pecklers, The Unread Vision: Liturgical Movement in the United States of America, 1926-1955, Liturgical Press, Collegeville, Minnesota, 1998, p. 9.
  6. Lambert Beauduin, Liturgy the Life of the Church, trans. Virgil Michel, Collegeville, Minnesota, The Liturgical Press, 1914, p. 8.
  7. A. Bugnini, La Riforma Liturgica 1948-1975, publicado em 1983 e em tradução para o inglês pela Liturgical Press, Collegeville, Minnesota in 1990.
  8. A Revista foi inicialmente intitulada Perguntas Litúrgicas e foi publicada pelo Mosteiro de Mont César.