Semana Santa Reformada de 1955
O Santo Padre o Papa Pio XII, com um decreto geral da
Sagrada Congregação de Ritos, de 16 de novembro de 1955, publicou a reforma
litúrgica das solenes funções da Semana Santa, e prescreveu que ela deveria
entrar em vigor a partir deste ano de 1956. A reforma diz respeito diretamente
ao rito romano, que entre os ritos latinos é aquele comumente usado em toda a
Igreja. Os outros ritos latinos, como por exemplo o ambrosiano, são obrigados a
se conformar à reforma somente no que diz respeito a hora fixada para a
celebração das funções.
Os ritos da Semana Santa constituem um patrimônio litúrgico
dos mais preciosos, e isso pela sua antiguidade, esplendor e eficácia
religiosa. Nos últimos quatro séculos, desde a promulgação do Missal Romano
reformado por São Pio V, em 1570, estes ritos permaneceram absolutamente
inalterados, formando em muitos a ideia de que eram intocáveis. Além disso,
muitos usos populares estão ligados a eles, e que variam de nação para nação, e
até mesmo de cidade para cidade; costumes muitas vezes muito antigos e profundamente
enraizados nas almas dos fiéis e nas tradições populares. Portanto, a reforma
de tal complexo litúrgico é um fato de singular importância, pelo qual todos
estamos interessados; e a pergunta, portanto, é espontânea: por que esta
reforma? E em quê propriamente ela consiste?
Eu gostaria de responder brevemente a estas duas perguntas.
I. Origem e Motivos da Reforma
Para compreender o verdadeiro motivo que determinou a
reforma litúrgica da Semana Santa, é necessário recordar os principais tratados
da história deste complexo litúrgico.
A celebração dos mistérios da Paixão, morte e ressurreição
de nosso Senhor, constitui o núcleo mais antigo e mais solene do ano litúrgico.
Desde a era apostólica recorda-se, anualmente, com grande
solenidade, o dia da ressurreição de Jesus, que se tornou o dia de Cristo, o “dies
Domini”, o domingo; portanto, em um certo sentido, nosso domingo nada mais
é do que uma Páscoa que se repete ao longo do ano. Além do fato da
ressurreição, logo quiseram celebrar também a lembrança da Paixão e morte do
Senhor e a sua permanência no sepulcro. Assim formou-se um particular tríduo
litúrgico, que foi chamado o tríduo de Cristo “crucificado, sepultado,
ressuscitado” (Santo Agostinho, ep., 55, 14). A memória da instituição da
Eucaristia, que aconteceu na noite que antecedeu a Paixão, “pridie quam
pateretur”, veio completar este complexo litúrgico do mistério pascal.
Finalmente, já no século IV, acrescenta-se outra celebração relacionada com
estes mistérios, ou seja, a memória da entrada triunfal de Jesus no cidade
santa, o nosso Domingo de Ramos: constituindo-se assim a nossa Semana Santa,
com um conjunto de ritos e formas que, por esplendor e riqueza de conteúdo,
constituem ainda hoje o complexo mais importante de todo o nosso antigo
património litúrgico.
Estas solenes funções em memória da Paixão, morte e
ressurreição de nosso Senhor foram celebradas desde o início, e por muitos
séculos, no período vespertino. Isso era natural. E desejando reinvocar
liturgicamente aqueles grandes mistérios, as ações litúrgicas relacionadas
foram colocadas nos dias de semana e nas próprias horas em que se cumpriram os
relativos mistérios. Assim, a missa solene “in Cœna Domini”, em memória
da instituição da Eucaristia, celebrava-se no final da tarde da Quinta-feira
Santa, quando Jesus celebrou a última Ceia com os apóstolos; a grande função
litúrgica em memória da Paixão e morte do Senhor foi realizada no início da
tarde da Sexta-feira Santa, quando Jesus expirou sobre a cruz; em seguida, o
Sábado Santo foi um dia alitúrgico, com um tom particular de luto silencioso em
memória de Jesus deposto no sepulcro; mas ao entardecer do mesmo dia, começava
aquela antiquíssima e solene Vigília Pascal, que encerrava-se na madrugada de
domingo com o canto do aleluia e a missa festiva da ressurreição.
No entanto, com o passar do tempo, e por muitos fatores,
entre os quais a busca por maior comodidade, começou-se primeiro a encurtar e
depois a antecipar a Vigília Pascal. Em seguida, também a Missa vespertina da
Quinta-feira Santa e o serviço da Sexta-Feira Santa sofreram um lento
retrocesso, sobretudo porque, sendo dias de jejum, tentava-se aproximar cada
vez mais ao meio-dia a única refeição permitida após a grande ação litúrgica.
Assim, em virtude dessas repetidas antecipações, por volta do final da Idade
Média, todas as funções do tríduo Sacro, incluindo a Vigília Pascal, foram
transferidas para as horas da manhã. A reinvocação histórica perdia
indubitavelmente a sua eficácia. Os danos mais graves golpearam o Sábado Santo.
Os formulários e as ações da Vigília, em sintonia com a celebração noturna,
perderam seu significado interior e a eficácia de seu simbolismo. Pior ainda, o
caráter mesmo do Sábado Santo veio a ser completamente modificado de um dia de
grande luto em memória de Jesus no sepulcro, tornou-se um dia de antecipada
alegria pascal.
No entanto, além dessas consequências, do ponto de vista
litúrgico, longe de ser insignificante, deve-se dizer que o rebaixamento das
funções do tríduo Sacro do seu lugar de origem primitiva, ou seja, da tarde
para a manhã, não só não impediu, mas favoreceu, em certo sentido, a
participação da massa dos fiéis a esses ritos: e isso era o essencial. Mas isso
unicamente pelo fato de que a Quinta-feira Santa, a Sexta-feira e o Sábado
Santo, do século V até toda a Idade Média, eram reconhecidos também como dias festivos
pelas autoridades civis, com a abstenção do trabalho e com a consequente
possibilidade de tomar parte desses ritos celebrados pela manhã. Esta situação
veio a ser radicalmente modificada em 1642. Desde o século XVI, em virtude das
mudanças das condições da vida moderna, os mesmos Romanos Pontífices viram-se
induzidos a reduzir cada vez mais o número de dias festivos. Urbano VIII, com a
Constituição Apostólica “Universa per orbem”, de 24 de setembro de 1642,
foi obrigado a retirar da lista dos dias festivos também o tríduo Sacro da
Quinta-feira Santa, da Sexta-feira Santa e do Sábado Santo. A partir desse
momento, a maioria dos fiéis, mesmo que quisessem, não poderia mais assistir a
estes ritos celebrados nas primeiras horas da manhã. Nós todos somos
testemunhas desta fatal consequência, que durou por mais de três séculos.
Pense, por exemplo, na comovedora função da Sexta-feira Santa, ou na solene
liturgia da Vigília Pascal, celebrada muitas vezes com grande solenidade, mas
em igrejas quase desertas. Quando se reflete a profunda eficácia religiosa e
sacramental que pode exercer a liturgia destes grandes mistérios, não se pode
deixar de lamentar esta triste situação.
Esta, em última análise, é a verdadeira razão da atual
reforma que, antes de tudo, traz as funções do tríduo Sacro de volta ao seu
local de origem, ou seja, à tarde. Razão, portanto, pastoral, que tende a
garantir que todo o povo cristão volte a viver com a Igreja os grandes
mistérios da redenção. Enquanto, de fato, nas manhas dos dias de semana, a
grande massa de fiéis está ocupada no trabalho profissional, à tarde há sempre
uma margem de liberdade, que nestes dias sagrados podem ser dedicados à tão
grandes interesses religiosos.
Nesta perspectiva, todos aqueles que se interessam pelos
problemas da pastoral litúrgica – e o movimento litúrgico-pastoral é ativo,
graças a Deus, em todos os países – esperavam que os cultos da Quinta-feira
Santa, da Sexta-feira Santa e do Sábado Santo retornassem para as horas
vespertinas. Muitos Bispos fizeram suas essas aspirações e fizeram petições
neste sentido à Santa Sé. O momento era oportuno. Depois da última guerra
assistimos a um profundo trabalho de revisão, ou atualização, como costuma-se
dizer, em todos os setores da vida social, e na vida religiosa, a liturgia é o
elemento social por excelência. Os estudos para a reforma litúrgica geral,
iniciada e prometido por São Pio X, foram vigorosamente retomados por
iniciativa do atual Sumo Pontífice. Foi assim que já em 1951, o Santo Padre o
Papa Pio XII restaurou, naquele momento de forma facultativa e experimental, a
antiquíssima Vigília Pascal, trazendo de volta a liturgia do Sábado Santo da
manhã para as horas noturnas. Dado o bom sucesso deste primeiro passo, dada
também a frequência dos fiéis em todos os lugares nas Missas vespertinas,
previsto na Constituição Apostólica “Christus Dominus”, de 6 de janeiro
1953, muitos Bispos pediram que a liturgia do Sábado Santo fosse reformada,
estendendo-se também aos outros dias da Semana Santa. A questão foi estudada
por muito tempo, sendo então submetida, em 19 de julho de 1955, ao julgamento
dos Cardeais da Sagrada Congregação de Ritos que deram um parecer favorável, e
assim a esperada reforma é hoje um fato consumado, destinado, nas intenções da
igreja, a dar grandes frutos de vida cristã.
II. Conteúdo, Dificuldades e Vantagens da Reforma
A principal inovação da reforma da Semana Santa é aquela, já
notada, do horário das funções litúrgicas do tríduo Sacro, que vem relacionadas
à hora vespertina ou noturna. Fixada esta modificação pelas razões pastorais
acima expostas, era natural, no quadro da prevista reforma geral da liturgia,
revisar também os formulários e ritos de todo este complexo litúrgico. Esta é
uma questão que interessa mais diretamente aos liturgistas e ao clero, mas
também é muito útil que o público instruído esteja suficientemente informado,
especialmente para poder assistir a estas funções sacras com a mais consciente
participação
Agora, a propósito desta revisão litúrgica dos ritos da
Semana Santa, deve-se ter como premissa antes de tudo e em geral, que, enquanto
este complexo litúrgico conservou elementos muito preciosos, pela antiguidade e
conteúdo, também é certo que, tanto nas formas como nos próprios ritos, durante
a idade Média elementos impróprios e deformações desagradáveis infiltraram-se
aqui e ali. No tempo de São Pio V, quando foi fixada a liturgia destes dias,
assim como chegou até nós, o conhecimento imperfeito do desenvolvimento
histórico desses ritos e sobretudo a falta de edições críticas dos antigos
textos litúrgicos, não permitiu a eliminação daquelas deficiências, o que hoje,
porém, com a publicação dos principais textos da antiga liturgia, é pelo menos
possível.
A Pontifícia Comissão para a reforma litúrgica, depois de
uma severa análise de todos os elementos, estudou antes de mais nada os
formulários, descartando os textos impróprios que haviam sido introduzidos e
recolocando em vigor outros que haviam sido perdidos ou restaurando-os à sua
forma genuína; em segundo lugar, fez-se uma revisão dos ritos ou cerimônias,
eliminando também neste setor vários elementos formais, tardios, e trazendo de
volta à vida, em alguns casos, outros elementos antigos medievais, mais simples,
mais lógicos e cheios de dignidade religiosa.
Uma análise abrangente desse complexo trabalho de revisão
exigiria uma discussão muito longa. Limitamo-nos a apontar as principais
modificações, sobretudo aquelas que podem interessar aos fiéis, e assim o
fazemos seguindo os vários dias sacros.
1) Domingo de Ramos
Todos recordam que na liturgia deste primeiro dia da Semana
Santa antes da Missa se realizava uma longa cerimônia de bênção dos ramos,
seguida da procissão. Destes dois elementos, o mais antigo e importante é o da
procissão, que, iniciada em Jerusalém, já no século IV e depois levada ao
Ocidente, se desenrolou durante toda a Idade Média com grande solenidade e
tinha o caráter de uma homenagem pública à Cristo, o Rei messiânico. Dado que a
procissão quis reproduzir a cena evangélica da entrada solene de Jesus na
cidade santa, se utilizou desde o início, segundo o texto evangélico, a prática
de lavar em mãos ramos de oliveira ou palmas. Segundo o gosto litúrgico e a
piedade, era natural que essas palmas viessem abençoadas: exceto este segundo
elemento, a bênção, por si secundária, assumiu um desenvolvimento
verdadeiramente desmedido no final da baixa Idade Média, com uma fórmula
prolixa, que sobrecarregava desnecessariamente a ação litúrgica do dia, que em
si já era longa. Na reforma atual, toda essa primeira parte da bênção dos ramos
foi restituída aos seus elementos essenciais: uma antífona introdutória,
seguida de um “oremus” para a bênção. Os outros cinco “oremus”,
que originalmente não passavam de peças sobressalentes, foram omitidos, assim
como foram omitidas todas as outras partes que assimilavam esta bênção ao
formulário de uma Missa.
Em vez disso, foi feita uma tentativa de revalorizar a
procissão, como uma pública homenagem à Cristo Rei uma procissão na qual os
ministros sagrados vestem-se com os paramentos vermelhos, a cor púrpura da
realeza, e que deverá ocorrer, sempre que possível, por um trecho mais longo,
com possibilidade também, onde a oportunidade se apresentar, para fazer a
bênção e a distribuição das palmas em uma igreja menor, e depois seguir para a
igreja principal para cantar o hino carolíngio: “Gloria, laus et honor Tibi
sit, Rex Christe, Redemptor”. E o Cristo Redentor é simbolizado pela grande
cruz processional, com a imagem do Crucifixo, que precede toda a procissão.
A procissão então fecha com um elemento novo. Até agora,
terminada a procissão iniciava-se imediatamente a Missa. Mas agora o sacerdote
sobe ao altar e, de frente para os fiéis, recita uma oração final, com uma
particular invocação de graças e bênçãos celestiais sobre os lugares onde as
palmas abençoadas serão levadas. Se quis valorizar este sacramental de uso
universal entre os fiéis, que gostam de guardar as palmas bentas em casa e às
vezes até nas oficinas ou nos campos.
A Missa que se segue mantém-se inalterada, havendo apenas
uma alteração na “Passio” que vem abreviada, omitindo no começo a
história do jantar em casa de Simão, o leproso, e o da última Ceia, e começando
diretamente com a história da Paixão verdadeira e própria, do Getsêmani em
diante.
2) Quinta-feira Santa
Nos antigos sacramentários estavam previstas três Missas
neste dia: uma pela manhã para a reconciliação dos penitentes, uma também pela
manhã para a bênção do óleo dos catecúmenos e a consagração do Crisma, chamado
precisamente “Missa chrismatis”, e uma no final da tarde, a “Missa in
Cœna Domini”, que era a Missa principal do dia, em memória da instituição
da Eucaristia. A primeira Missa, aquela para a reconciliação dos penitentes,
caiu em desuso já no século VII, com a cessação da penitência pública; também a
segunda, a “Missa chrismatis”, com o passar do tempo foi eliminada, e
precisamente quando a Missa noturna “in Cœna Domini”, pela progressiva
antecipação de todas as funções destes dias era trazida para a manhã,
reunindo-se assim com a própria “Missa chrismatis”. As duas Missas foram
então fundidas, no sentido de que a Missa propriamente dita permaneceu aquela
“in Cena Domini’, e foi inserida nela a parte litúrgica da bênção dos óleos e a
consagração do Crisma. Assim, das três Missas primitivas, a Quinta-feira Santa
acabou guardando apenas uma, a principal, em memória da instituição da
Eucaristia. Agora, voltando esta Missa ao seu local de origem, ao final da
tarde, era natural restaurar a “Missa chrismatis”, naturalmente
reservada às Igrejas Catedrais, isto é, onde o Bispo, rodeado de seu clero, dá
a bênção dos santos óleos. Quem então tem um pouco de gosto litúrgico, poderá
admirar a beleza e a riqueza teológica das antigas orações desta Missa, todas
sintonizadas com o pensamento da perene fecundidade da Igreja e o mistério da
vida nova que nos é conferida no batismo; já que os óleos foram abençoados
neste dia, justamente em vista da solene conferência do batismo na próxima
Vigília Pascal do Sábado Santo.
A Missa então “in Cœna Domini”, relocada à tarde,
poderá ser comemorada no grande espaço de tempo que vai das 17:00 às 20:00. É
bom especificar que o prazo de 8 horas se destina ao início da Missa. E,
portanto, uma grande margem de tempo, e isso para garantir que o horário da
função possa ser combinado com o horário mais adequado para a maioria dos
fiéis. Esta preocupação pastoral, de fazer com que todos os fiéis possam
participar do sacrifício eucarístico neste dia e a aproximação da sagrada
Comunhão, é destacada por outra concessão, que é nova na tradição litúrgica: ou
seja, a faculdade concedida aos Ordinários dos lugares de permitirem que, além
da Missa solene “in Cena Domini’, em todas as igrejas e oratórios públicos
possam ser celebrados, se julgando-se necessário, uma ou duas Missas lidas, e
em oratórios semipúblicos, assim como na Missa principal, mais uma Missa lida.
Preocupação, digo eu, pastoral. Na verdade, preservando a antiga tradição da
única Missa “in Cœna Domini” em cada Igreja, no estado atual das coisas,
pode-se prever que nem todos poderiam entrar em sua própria Igreja, ou que
haveria pelo menos uma aglomeração prejudicial à piedade. Assim, na prática, à
critério do Bispo local, pode ser realizada na Quinta-feira Santa,
especialmente nas paróquias, três Missas intercaladas no espaço de
aproximadamente quatro horas, sendo assim oferecida a todos a possibilidade de
assistir, neste dia, ao Sacrifício Eucarístico e receber a Sagrada Comunhão.
Um último novo detalhe é o do chamado “Mandatum” ou
“lava-pés”. Trata-se da cerimônia comovente, que reproduz o que o Senhor fez na
Última Ceia, quando, no contexto dos costumes judeus, inclinou-se para lavar os
pés dos Apóstolos e disse: “Dei-vos o exemplo para que, como Eu vos fiz, também
vós o façais”. Esta cerimônia, que já existia e que hoje é facultativa, foi
mais valorizada, no sentido de que agora é permitido realizá-la durante a
Missa, e precisamente logo após o Evangelho, no qual se recorda precisamente
esta cena. Na “Instrução”, então anexa ao decreto da reforma, destaca-se
o aspecto mais profundo desta cerimónia, aquele da caridade. E também se
insinua uma ideia fecunda de desenvolvimento pastoral caritativo, ou seja, a
ideia de convidar os fiéis, sobretudo no âmbito da vida paroquial da Igreja,
para organizar, nesta circunstância, uma grande manifestação de caridade, para
ir ao encontro dos mais pobres e necessitados com ofertas generosas da
comunidade paroquial. Assim que o decreto da reforma foi publicado, não poucos
se preocuparam com o destino de uma prática religiosa muito popular em todos os
países latinos na Quinta-feira Santa, me refiro à visita aos chamados
sepulcros. Se a Missa for adiada para à noite, o que acontecerá, dizem, a esta
prática devota? A resposta é fácil: a visita aos sepulcros não é suprimida, mas
simplesmente movida. Em vez de começar pela manhã, começará na tarde, depois da
Missa “in Cœna Domini”, e em vez de encerrar na manhã seguinte, poderá
continuar até a função litúrgica da tarde da Sexta-Feira Santa. É preciso
eliminar a designação incorreta de “sepulcro”, que tanta confusão causou
na Itália na mente do povo; de fato, não é uma representação do sepulcro, mas
uma exposição solene do Santíssimo Sacramento.
3) Sexta-feira Santa
O mistério da cruz domina a liturgia da Sexta-feira Santa.
Contemplando o drama do sacrifício do Salvador, a liturgia sempre excluiu,
neste dia, o sacrifício incruento, ou seja, a Missa. Portanto, a ação litúrgica
da Sexta-feira Santa não é sacrificial, e o complexo de seus ritos nos remete
ao tipo de reuniões estacionárias da antiguidade, que aconteciam por meio de
leituras, cantos e orações, às quais se somava, neste dia, a adoração da cruz,
seguida da comunhão. Esses quatro elementos, que constituem tantas partes da
ação litúrgica da Sexta-Feira Santa, foram naturalmente preservados, porém com
algumas modificações que tentaremos indicar brevemente. A primeira parte, a das
leituras, com a descrição da Paixão e morte do Senhor no centro, que nos é
narrado por São João, testemunha ocular, permaneceu substancialmente
inalterada. Também a segunda parte, com a antiga oração denominada “oração
dos fiéis” foi preservada na íntegra, com apenas uma modificação imposta
pelas novas condições dos tempos: isto é, em vez da oração para o imperador,
uma oração foi introduzida para todos os que são responsáveis pela
administração dos assuntos públicos. Todos sabem como essas várias orações eram
realizadas nos tempos antigos. O sacerdote anunciava então as várias intenções:
pela Igreja, pelo Sumo Pontífice, e assim por diante, e encerrava sua indicação
com um convite à oração: “oremus”. O diácono convidava então a
comunidade a ajoelhar-se: “Flectamus genua”, para a oração silenciosa;
depois de alguns minutos o subdiácono dizia: Levantem, “levate”, e o
sacerdote, quase que recolhendo a oração silenciosa de cada um, recitava
publicamente uma oração segundo a intenção da ação anunciada. Infelizmente nos
últimos séculos tudo isso aconteceu com um formalismo que esvaziara de sentido
esta solene oração coletiva, pois o convite para ajoelhar-se seguia
imediatamente o convite para levantar, eliminando assim as pausas silenciosas
para a oração pessoal dos presentes. Essa deformação tinha que desaparecer;
assim é prescrito agora que após o convite para se ajoelhar, haja realmente uma
pausa de oração silenciosa. Outro item foi trazido de volta à vida e diz
respeito a oração pelos judeus. Na Idade Média, talvez não tanto por antissemitismo,
como alguns pensam, mas por razões simbólicas, foi suprimido o convite para
ajoelhar-se e rezar por eles, porque, conforme lemos em um “Ordo” Romano
medieval, neste dia zombaram de nosso Senhor ajoelhando. Naturalmente, é
retomada a antiga disciplina de ajoelhar-se e orar também pelos judeus.
A terceira parte consiste na adoração da cruz, e marca o
ponto culminante de toda a função litúrgica. Aqui o novo “Ordo” trouxe
apenas uma modificação no rito de adoração. Até agora, a cruz, depois de
descoberta, era deitada no chão sobre uma almofada: o clero e os fiéis
prostravam-se em adoração, o que era precedido de uma tríplice genuflexão. A
cerimônia era muito inconveniente e demorada. O novo “Ordo” restaurou um
rito medieval, simples e cheio de dignidade. Após o descobrimento do crucifixo,
a cruz, que deve ser de proporções bastante grandes, é confiada à dois
acólitos, que, colocando-a em um pedestal, no meio do altar, a sustentam, de um
lado e do outro, pelos braços, voltados para os fiéis; dois outros acólitos
então, ajoelhados nas laterais do pedestal, em ato de adoração, sustentam dois
candelabros. Dá-se a impressão de uma imagem plástica, cheia de solenidade
religiosa. O clero sobe os degraus do altar em ordem, com uma simples
genuflexão tríplice, e beijam os pés do crucifixo. A cruz é então carregada
para a balaustrada, para que permita que os fiéis se ajoelhem e beijem os pés
do crucifixo. Recomenda-se que o clero organize as coisas para que este rito
seja realizado com ordem, dignidade e devoção.
A quarta e última parte é aquela que apresenta a mais
destacada inovação na reforma. Esta parte era até agora chamada de “Missa
dos Pré-Santificados”; na realidade, porém, apesar de suas várias formas
emprestadas de Missa, não passava de um rito de comunhão. De fato, não houve
consagração, e a hóstia com a qual o sacerdote comungava era a consagrada no
dia precedente e exposta para veneração no chamado sepulcro. Era unânime entre
os liturgistas o desejo de profundo afastamento desta última parte da liturgia
da Sexta-Feira Santa, pelo menos no sentido de que os elementos emprestados da
Missa e introduzidos aqui, sem razão, deveriam ser retirados. No entanto,
surgiu um problema sério: o da comunhão do sacerdote e dos fiéis. É certo que
até ao sec. VII, nem o sacerdote e nem os fiéis comungavam neste dia não
havendo sacrifício eucarístico, não havia comunhão. No século VIII, porém, e
talvez já no fim do sec. VII, introduziu-se a comunhão do celebrante e dos
fiéis, com as espécies consagradas na véspera e conservadas para este fim: os
pré-santificados. Tal comunhão geral, do celebrante e dos fiéis, permaneceu em
uso por vários séculos e, se na Baixa Idade Média veio a diminuir, não foi à
princípio por acaso, mas por aquela decadência de piedade, que induziu o
Concílio lateranense de 1215 a exigir que os fiéis se aproximassem da mesa
sagrada pelo menos uma vez por ano. Ficou, porém, como prova do fato, a
comunhão do sacerdote, até os nossos dias. Para a Comissão de reforma litúrgica
apresentava-se agora um sério dilema: ou eliminar a comunhão do sacerdote e
assim voltar à disciplina primitiva, ou ainda retomar a comunhão dos fiéis, que
só em 1622 foi estritamente proibida. Das duas soluções possíveis, a segunda
foi adotada. Portanto, a partir de agora também na Sexta-Feira Santa, depois de
recordar o mistério da morte do Senhor e depois de ter adorado a cruz,
instrumento de redenção, cada um poderá tornar mais abundantes em si os frutos
do sacrifício do Gólgota, com participação sacramental da divina vítima.
Essa comunhão então na Sexta-Feira Santa, feita com os
pré-santificados, com as partículas, ou seja, consagradas na Missa “in Cœna
Domini” da noite anterior, dará oportunidade para os pastores de almas
poderem evidenciar mais claramente a relação entre a Eucaristia e o sacrifício
cruento da cruz. Quanto ao rito, a comunhão realiza-se com a máxima
simplicidade. Tendo trazido ao altar a píxide ou píxides do lugar do chamado
sepulcro, o celebrante entoa em voz alta o “Pater Noster”, e os fiéis o
recitam com ele em latim. Então segue a comunhão e, logo após, a ação se
encerra com três “oremus”, retirados dos chamados sacramentários
leoninos, que são realmente de uma singular profundidade de pensamento e beleza
de forma.
4) Sábado Santo
A reforma da liturgia do Sábado Santo, com a restituição da
antiquíssima Vigília Pascal, já está em curso há cinco anos; dispensamos,
portanto, somente um breve comentário. Isso será o suficiente para recordar
que, embora até agora a referida Vigília Pascal tenha permanecido opcional,
doravante torna-se obrigatória. A função sagrada deve começar à noite, para
poder celebrar a Missa que encerra a Vigília, por volta da meia-noite; se, no
entanto, razões pastorais sugerem antecipá-la, o Ordinário local pode permitir
que a função comece ao entardecer, nunca antes do pôr do sol. A função que até
agora era realizada pela manhã é suprimida. O Sábado Santo volta assim a ser,
como foi durante séculos, um dia de grande luto. Idealmente falando, a Igreja
está reunida em silêncio ao redor do sepulcro de Nosso Senhor e ali permanece,
com a Santíssima Virgem e os Apóstolos, para meditar no mistério da morte do
Homem-Deus.
Também a lei do jejum quaresmal foi, logicamente, trazida de
volta à meia-noite do sábado; no entanto, isso não anula o decreto emitido em
1940 pela Sagrada Congregação do Concílio, com o qual, dadas as particulares
circunstâncias atuais e até nova ordem, os dias de jejum durante o ano são
reduzidos para quatro, entre os quais o Sábado Santo não está incluído.
Portanto, um dia de silêncio e luto é guardado no Sábado
Santo, na expectativa da grande alegria pascal. À esta alegria, num ambiente
festivo de luz, é entoada toda a liturgia da Vigília. A função tem como centro
o Círio Pascal, símbolo do Cristo ressuscitado, e tem um caráter distintamente
batismal. Na antiguidade cristã, de fato, os catecúmenos eram admitidos ao
batismo nesta noite santa. E isto com base nas palavras de são Paulo, quando
escreve (Rom., 6,4), que no batismo somos sepultados com Cristo na morte do
velho homem, e ressuscitamos para uma nova vida. Não sem fundamento, portanto,
a renovação pública e solene das promessas batismais foi inserida na liturgia
da Vigília Pascal. A isto, em última análise, estende-se toda a Quaresma e a
celebração dos mistérios pascais: isto é, reformar nossa vida, adequa-la cada
vez mais, em pensamentos e ações, aos solenes compromissos que assumimos com
Deus no momento do nosso batismo.
Estas, então, são as linhas principais da reforma litúrgica
da Semana Santa. A sua atuação prática, tratando-se de solenidades religiosas
profundamente enraizadas nas almas dos fiéis, e ao qual, como dissemos no
princípio, tantos usos e instituições populares estão ligados, não pode deixar
de encontrar dificuldades no início. Por isso a S. Congregação de Ritos,
juntamente com o decreto, também publicou uma “Instrução”, que é
dirigida especialmente ao Clero, e na qual também há um capítulo, o último, em
torno às possíveis e previsíveis dificuldades que serão encontradas na
transição da velha para a nova disciplina. A solução prática dessas
dificuldades é remetida, como era óbvio, à prudente discrição dos Ordinários e
clero cura de almas. Já temos notícias do ativo e intenso trabalho de
preparação que está a decorrer, por interesse de suas Excelências os Bispos, em
todas as dioceses. Este trabalho oficial é acompanhado pela atividade
preparatória por organismos e institutos litúrgicos, em todas as partes do
mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, 15 entidades diferentes estão
publicando várias edições do “Ordo”, com texto em latim e inglês, ou
apenas em inglês, e com comentários explicativos e uma dessas edições, a
editada pela abadia de “of Collegeville” (Minn.), é realizada com uma
tiragem de 750.000 exemplares! Também na Itália são anunciadas várias edições
populares latinas/Italiano. Entre estas, tomamos a liberdade de destacar a
digna “Opera della Regalità di Milano”, com texto em latim e italiano e
breve comentário, colocado no mercado ao preço verdadeiramente simbólico de L.
150. Concluindo, podemos dizer que a reforma litúrgica da Semana Santa é outro
grande presente que o Sumo Pontífice Pio XII, em Sua qualidade de Pastor
Supremo, dá ao mundo católico. Nós temos que ser gratos. Muitos, mesmo na
Itália, talvez nunca tenham testemunhado estes solenes serviços religiosos,
especialmente os da Sexta-Feira Santa e do Sábado Santo, porque, festejados
como eram pela manhã, não era possível acudir a eles devido ao trabalho
profissional. Este ano todos terão a oportunidade de participar deles. Para
muitos será uma descoberta. Todos, então, como esperava o próprio Sumo
Pontífice em sua recente alocução aos cristãos quaresmais de Roma, poderão
experimentar um enriquecimento da piedade e da vida cristã.
Referência bibliográfia
La riforma liturgica della Settimana Santa, Ferdinando Antonelli, Rivista Vita e Pensiero, 1956 – 3, pp. 151-161.