Sub sigillo: O Juramento do Conclave e o Mistério Silencioso que Sustenta Pedro
Na próxima segunda-feira, 5 de maio de 2025, às 17h30 (hora local), os portões da Capela Paulina, na Primeira Loggia do Palácio Apostólico Vaticano, se abrirão para um dos ritos mais antigos e discretos da Igreja: o juramento dos oficiais e colaboradores do Conclave.
Trata-se de um evento que o mundo moderno sequer nota, mas
que toca a espinha dorsal da tradição romana. Enquanto lá fora o ruído do
século XXI prossegue com sua tagarelice constante, dentro dos muros do Vaticano
o silêncio se arma — como um escudo — para proteger o maior dos mistérios
terrenos: a eleição do novo Papa.
Antes do Conclave, o Silêncio
Todos os que forem designados para o serviço do Conclave,
sejam religiosos ou leigos, terão que comparecer à Capela Paulina às 17h. Foram
previamente aprovados pelo Cardeal Camerlengo Kevin Joseph Farrell e pelos três
Cardeais Assistentes, conforme a Constituição Apostólica Universi Dominici
Gregis (n. 48). Lá, ouvirão instruções e prestarão pessoalmente o juramento
prescrito.
E quem são esses “colaboradores”? Seria um erro pensar que
apenas príncipes da Igreja operam o maquinário do Conclave. Há uma verdadeira
teia de operários invisíveis:
- O
Secretário do Colégio Cardinalício;
- O
Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias;
- Os
Cerimoniários Pontifícios;
- O
eclesiástico escolhido pelo Cardeal decano para assisti-lo;
- Religiosos
responsáveis pela Sacristia Pontifícia;
- Confessores
multilíngues;
- Médicos,
enfermeiros, ascensoristas;
- Pessoal
da refeição, da limpeza e da Floreria Vaticana;
- Técnicos,
motoristas, seguranças, membros da Guarda Suíça.
São dezenas de pessoas comuns em aparência — mas, naquele
momento, tornam-se cúmplices silenciosos do Espírito Santo.
O Juramento: Forma e Espírito
Diante do Camerlengo e de dois Protonotários Apostólicos,
cada colaborador pronunciará uma fórmula que, embora administrativa na forma, é
espiritual no conteúdo. Trata-se de um pacto de silêncio absoluto, não apenas
sobre o que for visto ou ouvido, mas até mesmo sobre o que se pressentir
durante o Conclave.
Essa exigência não é capricho burocrático. É defesa ritual
do sagrado. Joseph Ratzinger já alertava que:
“o mistério da eleição do Papa é protegido não por razões práticas, mas por reverência ao Espírito Santo que deve agir sem coação humana.”
O juramento é, portanto, um ato litúrgico. Um “rito menor”
que precede o grande teatro do Espírito que se dará, dias depois, na Capela
Sistina. Mas como toda liturgia, ele nos prepara: purifica os instrumentos
humanos para que a graça possa operar.
Formula Iurisiurandi Operariorum Conclavis
(Universi Dominici Gregis, n. 48 — versão oficial em
latim)
“Ego, N. N., promitto ac iuro me officium mihi commissum fideliter impleturum esse atque de omnibus quae ad electionem Summi Pontificis quoquo modo pertinent et ad cognitionem meam in ipso munere obeundo pervenerint, secreti legem omnino servaturum esse, nei secreto ullo modo violando directe vel indirecte, per verba, scripta, signa aut alio quovis modo, me umquam interveniente.Iusiurandum hoc praesto sciens me excommunicationis poenae latae sententiae, Sanctae Sedi reservatae, obnoxium fore, si contra hoc meum promissum agerem.Sic me Deus adiuvet et haec sancta Dei Evangelia, quae manibus meis tango.”
Fórmula em Português (tradução oficial)
“Eu, [nome], prometo e juro observar fielmente e manter absoluto segredo sobre tudo aquilo que de qualquer modo tenha relação com a eleição do Sumo Pontífice, e que venha ao meu conhecimento durante o desempenho da função a mim confiada.Prometo igualmente não permitir, que por qualquer título, esse segredo seja violado, direta ou indiretamente, por palavras, sinais, escritos ou de qualquer outro modo.Faço esse juramento, ciente de que uma infração da parte de minha obrigação implicará a pena de excomunhão latæ sententiæ, reservada à Sé Apostólica, segundo o que determina o cân. 1383 §1 do Código de Direito Canônico.Assim Deus me ajude e estes Santos Evangelhos, que toco com minha mão”.
Esse juramento é feito diante do Cardeal Camerlengo,
que preside a cerimônia, e na presença de dois Protonotários Apostólicos
como testemunhas.
A fórmula é sempre lida, e os colaboradores a repetem em voz alta individualmente (não em coro), e depois assinam um documento formal. O gesto final — tocar os Santos Evangelhos com a mão — é uma herança dos tempos mais antigos da Igreja, e dá ao juramento um valor sacramental.
A Capela Paulina: Prólogo do Inefável
Por que a Capela Paulina? Porque ela guarda em suas paredes
o espírito do início. É ali que São Paulo é pintado em sua queda — sua
conversão, sua rendição ao absoluto. Assim como ele, os servidores do Conclave
são chamados a uma metanoia: deixar de ser meros funcionários e assumir
o manto invisível do serviço sacro.
Ali, onde a história respira pelas pedras, eles juram mais
que silêncio. Juram obediência ao mistério. Juram participar, mesmo nos
bastidores, de um dos últimos grandes segredos não contaminados do mundo
moderno.
Resistência Espiritual em Tempos de Tagarelice
Vivemos num tempo onde tudo é transmitido, comentado,
explorado até a exaustão. Ninguém mais guarda silêncio. Tudo vira post, print,
podcast. E é exatamente nesse cenário que o juramento do Conclave se ergue como
resistência espiritual: um lembrete de que há coisas que só florescem na
escuridão do silêncio — como a oração, a contemplação... e a escolha de um
Papa.
Esse pacto silencioso é um grito de contracultura. Uma recusa a transformar o sagrado em espetáculo. É a Igreja dizendo ao mundo:
“Nem tudo te pertence. Nem tudo deve ser visto. Nem tudo deve ser dito.”
Conclusão: Quando Começa o Conclave?
O mundo acha que o Conclave começa com o Extra omnes.
Mas quem conhece a alma da Igreja sabe: o Conclave começa no momento em que
esses colaboradores dizem “sim” ao silêncio. Quando pronunciam seu juramento
diante do Camerlengo, eles não apenas obedecem a um protocolo. Eles abrem as
portas do invisível.
É nesse espaço — silencioso, discreto, sacramental — que a
Igreja prepara a vinda daquele que sentará na cátedra de Pedro. E quem assiste
de fora, talvez sem entender, deveria pelo menos suspeitar: ainda há lugares no
mundo onde o mistério é levado a sério.
Por um Carmelita Secular da Antiga Observância
Referências Bibliográficas
- João Paulo II. Universi Dominici Gregis. Constituição Apostólica sobre a vacância da Sé Apostólica e a eleição do Romano Pontífice. Libreria Editrice Vaticana, 1996. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_constitutions/documents/hf_jp-ii_apc_22021996_universi-dominici-gregis.html
- Catecismo da Igreja Católica, §§880-885. Sobre o Colégio dos Cardeais e a sucessão apostólica.
- Ratzinger, Joseph. O Espírito da Liturgia. São Paulo: Loyola, 2001.
- Ravelli, Diego. Comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, 29 de abril de 2025.
- Guitton, Jean. O Silêncio de Deus. São Paulo: É Realizações, 2015.