Pio XI vs. São Pio X na Participação Ativa
Por Drª. Carol Byrne, Grã-Bretanha
Na tentativa de justificar sua preferência pelo canto congregacional e pelas respostas faladas na liturgia (missa dialogada), os defensores da “participação ativa” invariavelmente citam a versão italiana do motu proprio de São Pio X de 1903, Tra le Sollecitudini, sobre Música Sacra, que continha a expressão “participazione ativa”. Como já vimos anteriormente, essa expressão apresenta dois obstáculos principais para aceitá-la ao pé da letra.
Primeiro, nenhuma expressão equivalente a essa frase está
contida na única versão autorizada do documento, que é a latina. Não há
qualquer referência ao termo “ativo” no texto original. Segundo, também não há
qualquer menção à resposta vocal dos leigos, seja falada ou cantada.
De onde vem, então, a expressão “participação ativa”?
Se examinarmos os principais documentos litúrgicos emitidos
por São Pio X antes de seu pontificado, um fato se impõe: a “participação
ativa” nunca fez parte de seu vocabulário. Podemos demonstrar, por meio desses
textos, a continuidade e a notável consistência de seu pensamento litúrgico:
- Em 1888, como bispo de Mântua, ele realizou um Sínodo queemitiu vários decretos sobre temas pastorais, incluindo a liturgia. Os decretos sobre música sacra tratavam do Canto Gregoriano, do uso de instrumentos musicais, da escolha da música de órgão, da formação dos seminaristas e da exclusão de mulheres dos coros da igreja. O tema “participação ativa” esteve completamente ausente.
- Em 1893, como Cardeal Patriarca de Veneza, ele enviou um relatório detalhado, chamado Votum, à Sagrada Congregação dos Ritos, após o Papa Leão XIII organizar uma conferência sobre o Canto Gregoriano e emitir um questionário papal.
- Em 1895, ele publicou uma Carta sobre Música Sacra, que praticamente repete os temas anteriores, reiterando os pontos do Sínodo de 1888 e do Votum de 1893. Mais uma vez, não há qualquer menção a “participação ativa”.
Nesse Votum, que pode ser lido [1], ele expôs o
ensino oficial da Igreja sobre a música sacra. Basicamente, seguiu os
princípios do documento anterior de Leão XIII, Ordinatio quoad sacram
musicam, de 1884 [2]. É significativo que o Votum tenha sido redigido
pelo Pe. Angelo De Santi, que mais tarde prepararia o conteúdo do motu proprio
de Pio X sobre Música Sacra. Os registros mostram claramente que, nesses
documentos, nem o Papa nem o Cardeal fizeram qualquer alusão à “participação
ativa”.
Finalmente, em 1903, São Pio X publicou seu motu
proprio Tra le Sollecitudini, cujo texto em latim era praticamente
idêntico aos decretos anteriores e, como eles, não fazia menção à “participação
ativa”. Isso não é surpresa, considerando que o Papa estava seguindo fielmente
as prescrições do Concílio de Trento [3], que também não mencionava esse conceito.
A expressão apareceu apenas na versão italiana — de forma repentina e
inesperada.
Vale lembrar que nem mesmo o Código de Direito Canônico
de 1917, elaborado sob Pio X, fez qualquer menção à “participação ativa”.
A guinada progressista de Pio XI
Com a publicação da Constituição Apostólica Divini Cultus
(1928), fica evidente que o Movimento Litúrgico começou a se inclinar
perigosamente na direção do Vaticano II. Nela, o Papa Pio XI recomenda
expressamente a “participação ativa” da congregação na liturgia:
“Para que os fiéis possam participar mais ativamente do culto divino, façam-se de novo cantar o Canto Gregoriano, até onde pertence a eles para participar.”
Como alguém que leu o documento poderia, com a consciência
limpa, interpretar isso como um desejo do Papa por canto congregacional? Isso
exige uma boa dose de criatividade hermenêutica.
Outra anomalia gritante no Divini Cultus é a seguinte
afirmação:
“É muito importante que, quando os fiéis assistem às cerimônias sagradas, ou quando confrarias piedosas participam de uma procissão com o clero... eles cantem alternadamente com o clero ou o coro... seja na língua da Liturgia ou no vernáculo.”
Nessa passagem, onde a congregação é realmente instruída a
cantar respostas, há uma confusão entre situações litúrgicas e não litúrgicas.
A expressão “cerimônias sagradas” pode aplicar-se tanto às que ocorrem dentro
quanto fora da igreja. Assim, o laicato é indiretamente convidado por Pio XI a
cantar também durante a liturgia dentro da igreja.
Contudo, São Pio X fez uma distinção crucial: nas cerimônias
que ocorrem dentro da igreja, o canto é uma função estritamente litúrgica,
reservada ao clero e ao coro. Já em procissões, romarias e eventos fora do
templo, todos os fiéis podiam cantar hinos em qualquer idioma [5].
A influência do lobby progressista
O que muitos não percebem sobre o Divini Cultus é
que, antes de sua publicação, havia uma intensa movimentação nos bastidores do
Vaticano para alcançar a tão almejada “participação ativa” na liturgia.
Ou seja, as raposas progressistas já rondavam o galinheiro,
à espera de que alguém destrancasse o portão. Nenhum nome de bispo é citado
diretamente, mas documentos oficiais revelam alguns envolvidos — entre eles, o
patrono de Beauduin, o Cardeal Mercier, de Malines [6].
Como fervoroso defensor do Movimento Litúrgico de Beauduin,
o Cardeal Mercier, segundo seu biógrafo, “fez todos os esforços possíveis para
introduzir a prática do canto congregacional em sua diocese” muito antes da
publicação do Divini Cultus [7].
Assim, no que diz respeito à tal “participação ativa”, não
era propriamente a Igreja que falava — mas um grupo ruidoso de entusiastas com
uma agenda bem definida, que conseguiram acesso privilegiado ao ouvido do Papa.
Nota ao leitor:
- O texto foi reproduzido em
Pierre Combe, The Restoration of Gregorian Chant, Catholic
University of America Press, 2008, Appendix III, p, 421
- Sagrada
Congregação dos Ritos, Ordinatio quoad sacram musicam, ASS,
1884, vol. 17, pp. 340-349.
- Pio X, 1903 motu proprio, § 25: “Que o cântico Gregoriano tradicional acima mencionado seja cultivado por todos com diligência e amor, de acordo com as prescrições Tridentinas.”
- Pio X, motu proprio, 1903, § 12: Praeter melodias celebrantis ad altare et ministrorum, quae cantu gregoriano semper cani debent sine organi sequentia, quae cantus liturgici extant sunt Chori Levitarum. (Além do canto do celebrante no altar e dos seus ministros, que deve ser sempre cantado em canto Gregoriano e sem acompanhamento do órgão, o que resta do canto litúrgico pertence ao coro dos Levitas.)
- Pio X, motu proprio, 1903, § 21: “Nas procissões fora da igreja, o Ordinário pode dar permissão a uma banda ... para acompanhar algum cântico espiritual cantado em Latim ou em vernáculo pelos cantores e pelas associações religiosas que participam a procissão.”
- A. Laveille, A Life of Cardinal Mercier, trans. Arthur Livingstone, The Century Co., New York, 1928, p. 141
- Além disso, os leigos foram autorizados a cantar hinos em qualquer idioma dentro da igreja em cerimônias não litúrgicas, como novenas, sodalidades, estações da Cruz, etc.
A Sagrada Congregação dos Ritos respondeu em cartas privadas aos Bispos de Mântua (18 de fevereiro de 1921); Pesaro, Itália, (25 de fevereiro de 1921); Malines (27 de abril de 1921); sem nome (4 de agosto de 1922); e Gênova (30 de novembro de 1935), para dizer que as respostas dos leigos na liturgia são consideradas “não convenientes,” que o costume da participação silenciosa deve ser respeitado e que a questão cabe aos Bispos locais decidir. (See T. L. Bouscaren, The Canon Law Digest, Vol. II, 1933-1942, Bruce, 1943, pp. 198-200).