Pio XI Endossa a Revolução Litúrgica

Por Dr.ª Carol Byrne, Grã-Bretanha

Nos anos anteriores a 1928, quando foi emitida a Constituição Apostólica Divini Cultus por Pio XI, já se notava um movimento subterrâneo — mas cada vez mais ruidoso — empurrando a liturgia rumo a uma “participação ativa” dos fiéis. No artigo anterior (Pio XI vs. São Pio X na participação litúrgica), abordamos as tensões entre a visão contemplativa e hierárquica de São Pio X e o projeto participativo e vocal defendido por Pio XI. Este artigo retoma o fio da meada, voltando um pouco no tempo para investigar de onde veio o impulso original para esse novo protagonismo litúrgico do povo:

    Dom Joseph Gajard de Solemnes promoveu Justine Ward e seu método de canto
  • Os bispos americanos, que o promoveram por décadas antes do início oficial do Movimento Litúrgico de Dom Lambert Beauduin [1];
  • A revista Orate Fratres, de Virgil Michel, fundada em 1927 para promover os objetivos de Beauduin de “participação ativa” na liturgia;
  • Bispos e abades beneditinos da França, Alemanha e Bélgica, que já permitiam várias formas de participação ativa na liturgia;
  • Congressos, sociedades e publicações musicais empenhados em profissionalizar o canto litúrgico; 
  • E, de forma notável, o trabalho de Justine Ward, uma rica benfeitora da Igreja, que organizou o Congresso Internacional de Canto Gregoriano de 1920 na Catedral de São Patrício, em Nova York.

“Ela deseja, acima de tudo”, escreveu Dom Augustine Gatard, OSB, Prior da Abadia de Farnborough, Inglaterra, presente no congresso, “colocar os fiéis, todos os fiéis, em posição de participar ativamente, tanto quanto possível, na liturgia e no canto da Igreja Católica.”[2]

Ela incentivava especialmente os coros femininos.[3] Em 1924, numa audiência privada, o Papa Pio XI deu sua bênção apostólica ao seu trabalho.[4]

Se arranharmos a superfície do Divini Cultus, veremos uma revolução silenciosa abrindo caminho para o envolvimento popular na liturgia. O documento também revela um crescente desprezo pelas normas impostas por Pio X às mulheres nos coros, especialmente entre os bispos americanos (os chamados Americanistas), liderados pelo Cardeal James Gibbons,[5] que já em 1904 se recusara a implementar a proibição de Pio X.[6]

Um golpe feminista?

O elemento realmente revolucionário do Divini Cultus é a promoção das mulheres cantoras de textos litúrgicos por iniciativa do próprio Papa Pio XI. Como vimos, ele já havia aprovado o trabalho de Justine Ward, contrariando a proibição imposta por seu predecessor.

O Americanista Cardeal Gibbons era amigo de Roosevelt e opositor de São Pio X
Enquanto Pio X determinava que o canto litúrgico fosse ensinado apenas aos seminaristas e clérigos e reservado ao seu uso, Pio XI estendeu essa instrução a toda a população católica, começando pelas escolas. Ele ordenou aos superiores de comunidades religiosas, masculinas e femininas, que “dediquem atenção especial à realização deste propósito nas diversas instituições educacionais sob seus cuidados.”[7]

Isso significava, não apenas permitir a presença feminina em funções litúrgicas, mas também promover a formação de coros femininos. Foi uma concessão evidente aos bispos americanos. Como era de se esperar, tal decisão gerou divisões: muitos bispos se alinharam com Pio XI contra as determinações de Pio X — e levaram os fiéis a fazer o mesmo.

A participação silenciosa vira tabu

No universo do Novus Ordo, tornou-se dogma que a participação silenciosa na liturgia deve ser evitada a todo custo. Mas essa ideia não nasceu com Pio X.

"Os Católicos devem participar ativamente do culto divino"
Ela surgiu com o lançamento do Movimento Litúrgico por Beauduin e foi consagrada oficialmente, pela primeira vez, num documento papal por Pio XI. No Divini Cultus, ele manifestou seu desejo de participação vocal de todos: 

“Não acontecerá mais que as pessoas não respondam de forma alguma às orações públicas — seja na linguagem da Liturgia ou no vernáculo — ou, na melhor das hipóteses, pronunciem as respostas de maneira baixa e moderada.”[8]

Essa ênfase revela uma tendência preocupante ao externalismo e à intolerância. Não se pode afirmar que só o canto vocal promove a verdadeira participação na Música Sacra. Nem tampouco que mais decibéis nos bancos significam maior envolvimento espiritual. Pio X, com sua sobriedade, nunca afirmou tal coisa.

“Espectadores distantes e silenciosos”

A raiz dessas ideias pode ser traçada até as teorias mal formuladas de Beauduin sobre “participação ativa”. Pio XI seguiu esse caminho, dando respaldo a uma visão que marginalizava católicos que preferiam orar em silêncio durante a Missa — chamados por ele de “espectadores distantes e silenciosos”.

A escolha das palavras do Papa é mais reveladora do que ele talvez pretendia: ecoam os termos exatos usados por Beauduin para justificar sua revolução litúrgica.[9]

Essas palavras expõem um desprezo pela distinção vital entre o silêncio reverente e o distanciamento espiritual. No Divini Cultus, ambos são amalgamados e estigmatizados como sinais de passividade, o que acabou alimentando uma espécie de perseguição aos fiéis silenciosos. Doravante, seriam entregues aos leões litúrgicos: perseguidos, ridicularizados, repreendidos, bajulados, postos sob suspeita, denunciados e levados a sentir-se culpados por não cantar ou gritar durante a Missa.

Pio XII, como veremos no próximo artigo, não seguiu Pio X — mas sim Pio XI — nesse mesmo caminho revolucionário.

Continua


  1. No Terceiro Conselho Plenário de Baltimore (1884), eles exigiram que “a maior parte, pelo menos, dos fiéis aprendesse a cantar com o clero e o coro no serviço de Vésperas e coisas semelhantes.” (Acta et Decreti Concilii Plenarii Baltimorensis, Baltimore, John Murphy and Co., 1886, no. 119).
  2. Pierre Combe, Justine Ward and Solesmes, The Catholic University of America Press, 1992, p. 5.
  3. Ibid., p. 95.
  4. Ibid., p. 396.
  5. O Arcebispo (mais tarde Cardeal) James Gibbons, que presidiu o Terceiro Conselho Plenário de Baltimore, foi um promotor entusiástico do canto congregacional e escreveu extensivamente sobre seus alegados benefícios em O Embaixador de Cristo, Baltimore, J. Murphy and Co., 1896, pp. 354-5.
  6. New York Times, 12 May 1904.
  7. Pio XI, Divini Cultus de 20 de dezembro de 1928.
  8. Ibid.
  9. L. Beauduin, Questions Liturgiques et Paroissiales, Abadia de Mont César, Louvain, 1922, pp. 50 and 52.