Como Pio XI pavimentou o caminho para o Vaticano II

Por Dr.ª Carol Byrne, Grã-Bretanha

Os padrões de pensamento sobre a “participação ativa” — que mais tarde subverteriam a liturgia da Igreja — já estavam presentes na mente do Papa Pio XI, quando este tentou afastar os fiéis da forma tradicional departicipação silenciosa. O desdobramento lógico dessa intolerância se manifestaria na tirania do regime do Novus Ordo. Em sua Audiência Geral de 26 de novembro de 1969, Paulo VI declarou, em tom ameaçador, que a Nova Missa “tinha como objetivo interessar a cada um dos presentes, atrair para fora de suas devoções pessoais habituais ou de seu torpor habitual.”[1]

Paulo VI chegou a proibir a reza do Rosário na Missa...Ele chegou a proibir a oração silenciosa durante a Missa, incluindo práticas devocionais como o Rosário:

“Há quem, sem critérios litúrgicos e pastorais saudáveis, mescla práticas de piedade e atos litúrgicos em celebrações híbridas. Às vezes acontece que novenas ou práticas semelhantes de piedade são inseridas na própria celebração do Sacrifício Eucarístico. Isso cria o perigo de que o Rito da Memória do Senhor, em vez de ser o ponto culminante do encontro da comunidade cristã, se torne ocasião, por assim dizer, para práticas devocionais.

Para aqueles que assim agem, queremos recordar a regra do Concílio que prescreve que os exercícios de piedade devem ser harmonizados com a liturgia, não fundidos nela... É um erro recitar o Rosário durante a celebração da liturgia, embora, infelizmente, essa prática ainda persista aqui e ali.”[2] (grifo nosso)

Agora que os frutos estão maduros e caídos no chão, é possível enxergar as raízes ocultas do que viria a eclodir no Concílio Vaticano II.

O início do fim da proteção papal à tradição litúrgica

Ao apoiar o canto congregacional e as respostas da assembleia na encíclica Divini Cultus, Pio XI emitiu um mandato histórico para a mudança — um que não refletia nem a lex orandi do rito romano nem os anseios dos fiéis que, por séculos, adoraram a Deus em silêncio.

Pio XI teria celebrado a Missa de diálogo várias vezes

Relata-se que Pio XI celebrou publicamente a Missa dialogada em 1922 e 1925, e que incentivou grupos que promoviam conscientemente a revolução litúrgica.[3]

Não surpreende, portanto, que ao final da década de 1920, a experimentação litúrgica já estivesse em curso na Europa, especialmente em algumas abadias beneditinas [4], nas regiões de língua alemã [5] e em partes da América [6]. Tais inovações incluíam a Missa dialogada, o altar voltado para o povo, respostas em vernáculo, canto congregacional, procissão do ofertório, aperto de mãos, entre outras práticas — todas lançadas no caldeirão que mais tarde geraria uma liturgia “democratizada”.

Quando Pio XI promulgou a Divini Cultus em 1928, a expressão vaga “participação ativa” já tinha um significado específico para os reformadores, mas era completamente alheia à grande maioria dos católicos, que jamais a haviam solicitado. Isso indica que o espírito que pairava sobre Pio XI quando recomendava essa “participação” era o mesmo que inspirava Beauduin — um espírito que, ao fim, produziu uma nova percepção da Igreja e do sacerdócio.

Ressourcement: retorno ou ruptura?

Boa parte da Divini Cultus recorre à argumentação comum dos reformadores: a ideia de que o canto congregacional prevalecia nos primeiros séculos da Igreja. Ao propor a “participação ativa”, Pio XI foi claramente influenciado pelo desejo modernista de uma liturgia “mais autêntica”, com base na crença de que a prática primitiva era a verdadeira e, portanto, a normativamente ideal para os fiéis.

O Abade Beneditino Herwegen celebrou uma missa de diálogo voltada para o povo em 1921

Ele acolheu o conselho daqueles que acreditavam que a lex orandi da Igreja havia sido defeituosa por séculos — e que os leigos foram, durante todo esse tempo, privados de sua verdadeira participação.

A suposição implícita era audaciosa: que só no século XX, após catorze séculos de “ociosidade contemplativa”, os leigos foram finalmente “restaurados” ao seu papel legítimo na liturgia — cantar, responder, movimentar-se. Nessa narrativa, a venerável prática da oração mental silenciosa era rotulada como “devocionalismo” e tratada como desvio litúrgico.

A “participação ativa”, portanto, nasce com um viés utópico e ideológico. Fruto da imaginação de liturgistas, historiadores e agentes motivados por ambições e agendas eclesiásticas e acadêmicas, dificilmente pode ser considerada uma reforma pastoral autêntica.

Um coelho da cartola

A censura de Pio XI aos fiéis que rezavam em silêncio — acusando-os de serem “espectadores distantes e silenciosos” — revela uma inflexão claramente progressista, bem distante de seus santos predecessores. Ele se deixou influenciar pela tendência do ressourcement, isto é, o retorno seletivo às “fontes” da liturgia cristã primitiva.

O próprio padre Louis Bouyer relata a origem duvidosa da expressão “participação ativa”, associada ao motu proprio Tra le Sollecitudini de Pio X:

“Muitos leitores tiveram que esfregar os olhos e se perguntar onde e quando Pio X havia inaugurado a reforma em questão. Dom Lambert, a partir de 1909, tinha posto a mão na famosa frase [‘participação ativa’] e passou a propagandeá-la incessantemente, enquanto muitos padres desconfiados diziam abertamente que ele havia tirado o conceito do motu proprio como um mágico tira um coelho da cartola.”[7] (Bouyer)

Como nem o clero conservador, nem os fiéis, nem mesmo Pio X originaram essa agenda, resta apenas uma fonte: os reformadores litúrgicos da década de 1920, protegidos por bispos liberais, que conseguiram influenciar diretamente Pio XI.

Romano Guardini - um dos primeiros progressistas e promotor da revolução litúrgicaUm prenúncio do Vaticano II

Vale destacar a figura do padre Romano Guardini, que promoveu a “participação ativa” nos anos 1920 em Burg Rothenfels, convivendo com o movimento juvenil alemão.[8] O padre Karl Rahner reconheceria mais tarde:

“É um fato amplamente conhecido que a experiência de Rothenfels foi o modelo imediato para as reformas litúrgicas do Vaticano II.”[9]

O apoio de Pio XI à “participação ativa” teve, portanto, um papel decisivo na preparação do terreno para a revolução litúrgica que viria. Em vez de conter a maré, ele a alimentou.

Linguagem ambígua, consequências perigosas

O uso de expressões vagas em documentos oficiais — como “participação ativa” — permite que comissões e conferências episcopais as interpretem de forma arbitrária. Foi assim que, após o Concílio Vaticano II, os bispos puderam implementar facilmente suas próprias versões da “participação ativa”.

O resultado? Os fiéis perderam sua proteção contra imposições abusivas. A expressão se tornou uma ferramenta para demolir os pilares tradicionais do culto católico: o “devocionalismo”, o status único do sacerdote, o rigor da Missa Tridentina, e até mesmo o arcabouço teológico da Escolástica.

Sem o respaldo da autoridade papal para defender essas bases, nada do edifício original da Igreja poderia permanecer de pé.

A Divini Cultus, com sua ênfase em uma participação “ativa” que jamais foi universal nem tradicional, acabou por ser uma peça-chave no avanço do progressismo litúrgico.

Continua

[1] L’Osservatore Romano, 4 de dezembro de 1969.
[2] Papa Paulo VI, Marialis Cultus, 1974, § 31 e § 48.
[3] Alcuin Reid, O Desenvolvimento Orgânico da Liturgia, Ignatius Press, 2005, p. 127
[4] Já em 1914, na Abadia Beneditina de Maria Laach, na Alemanha, o Abade Herwegen celebrou a Missa de Diálogo em Alemão. Em 1921, a primeira Missa voltada para o povo foi celebrada na cripta da Abadia.
[5] Isso se aplica especialmente à obra do Pe. Pius Parsch em Viena e do Pe. Romano Guardini na Baviera, que ultrapassou a liderança de Beauduin neste campo. 
[6] Dom Virgil Michel em St. John's Abbey, Minnesota, e Justine Ward em Nova York foram os principais impulsionadores na área de "participação ativa.”
[7] Traduzido de L. Bouyer, Dom Lambert Beauduin: un homme d’Eglise, Paris, Casterman, 1964, p. 45.
[8] Como diretor do movimento jovem Aalemão, Quickborn, que operava em Burg Rothenfels, um castelo perto do Rio Meno, ele buscou as reformas litúrgicas mais radicais. Ele se tornou um dos teólogos favoritos do Papa Bento XVI.
[9] Robert Tuzic, ed., How Firm a Foundation: Leaders of the Liturgical Movement, Chicago, 1990, p. 48.